Imbróglio envolvendo CIP poderia, no limite, impedir grandes credenciadoras de capturar transações
O Banco Central (BC) estuda adiar mais uma vez a nova regra de recebíveis de cartões e busca uma solução jurídica para um impasse que ele próprio criou – uma questão que, ao pé da letra, impediria empresas como Cielo, Rede e Getnet de capturar pagamentos em suas “maquininhas” a partir de quarta-feira.
Esse desfecho é altamente improvável pelo dano que causaria a lojistas. No entanto, fontes do setor dão como certo que a norma será adiada mais uma vez, passando do próximo dia 17 para o início de junho. O BC também cogita a aplicação de sanções à Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) e a bancos e credenciadoras ligados a ela, apurou o Valor. Nenhuma medida havia sido adotada até o fechamento desta edição.
O novo modelo prevê que, a partir do dia 17, todos os pagamentos com cartões sejam registrados em centrais de registro, que assegurem a unicidade desses ativos financeiros. Com isso, os lojistas terão mais flexibilidade para usar os recebíveis como garantia de operações de crédito. Os credores só poderão reter a parcela desse fluxo correspondente ao saldo devedor, limitando a “trava bancária”.
Quando concordou em adiar o início da regra de novembro para fevereiro a pedido das grandes credenciadoras e dos bancos, o BC colocou pressão sobre o mercado ao determinar que quem não estivesse pronto até 31 de janeiro não poderia operar. E então aconteceu.
Conforme o Valor noticiou na semana passada, a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) declarou ao regulador não ter conseguido concluir com sucesso os testes homologatórios. Portanto, estaria inapta a fazer o registro dos recebíveis de cartões a partir do dia 17.
Ocorre que estão acoplados à CIP os grandes bancos (a câmara pertence a eles) e as três maiores credenciadoras do país. Mesmo que eles estejam prontos, já não há tempo hábil para essas instituições se plugarem, até a próxima quarta, a uma das outras registradoras habilitadas a atuar com recebíveis de cartões. São elas a Central de Recebíveis (Cerc) e a TAG, ligada à Stone.
Reside aí o impasse. Se o BC mantiver a data e não quiser rasgar o que escreveu, terá de deixar temporariamente de fora do mercado as grandes credenciadoras – em prejuízo dos lojistas que dependem delas para fazer vendas com cartões. Se simplesmente postergar a regra, cederá às instituições financeiras e poderá enfrentar questionamentos de empresas que se prepararam a tempo.
Por isso, o regulador busca uma solução que acomode todos esses fatores e não o torne alvo de contestações jurídicas. Uma possibilidade é que a nova regra seja mantida para o dia 17 e que o regulador dê prazo para a CIP adaptar sistemas. Nesse caso, bancos e credenciadoras ligados a ela continuariam operando no modelo antigo até se homologarem a outra registradora. Também estaria sobre a mesa a possibilidade de serem abertos processos administrativos contra os envolvidos, ainda mais se houver de fato um adiamento da data.
O Ministério da Economia acompanha de perto o assunto e estaria contrariado com o imbróglio, apurou o Valor. Além do impacto sobre o mercado de antecipação de recebíveis, há outra preocupação. Uma das linhas de crédito abertas na pandemia para pequenas empresas, o PEAC Maquininhas, prevê o uso da nova regra para o recolhimento das garantias concedidas pelo Tesouro Nacional.
A indefinição também criou um problema comercial no setor. Com receio de ficarem fora do ar, subcredenciadoras ligadas às grandes do setor temem perder vendas e clientes e começaram a sondar a possibilidade de migrar suas operações para credenciadoras não relacionadas à CIP, relatam dois interlocutores.
Enquanto isso, as registradoras concorrentes tentam se posicionar e atrair novos clientes. A Cerc emitiu comunicado dizendo que atuará a partir do dia 17 em conformidade com a nova regra e orientando seus usuários a executar seus registros usando essa versão da plataforma. Utilizam os sistemas da companhia nomes como PagSeguro e BTG Pactual, por exemplo.
A medida é uma das apostas do BC para estimular e baratear o crédito às micro, pequenas e médias empresas. Procurado, o regulador não comentou o assunto.
Fonte: Valor Economico