Entre janeiro e setembro, concessão de crédito livre para as pessoas físicas avançou quase 11%. Desafio do país ainda é reduzir spread.
O crédito concedido a pessoas físicas no Brasil alcançou o maior ritmo de crescimento em sete anos. Em um cenário de fragilidade da atividade econômica e do mercado de trabalho, o aumento da tomada de empréstimos tem representado algum estímulo para o consumo das famílias.
Neste ano, em termos reais (quando se desconta a inflação), a concessão de crédito livre para a pessoa física subiu cerca de 11% entre janeiro e setembro. O levantamento foi feito pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) com base nos dados do Banco Central. É o melhor resultado para o período desde 2012 – os dados de crédito só começaram ser computados pelo BC em março de 2011.
“Há muito tempo o crédito não tinha uma expansão tão significativa. Essa maior concessão tem força para ajudar a economia brasileira no curto prazo”, afirma economista da CNC Fabio Bentes.
A forte alta na concessão de crédito é explicada por uma recuperação depois de anos de recessão e baixo crescimento econômico. Nos períodos recessivos, as famílias pararam de tomar empréstimos. Em volume, o crédito já alcançou R$ 1,59 bilhão nos primeiros nove meses do ano, também o melhor desempenho desde 2012.
Além do aumento na concessão, a composição da tomada de recursos na carteira do brasileiro está melhor. Linhas consideradas de melhor qualidade – como crédito pessoal, aquisição de veículos e cartão de crédito à vista – têm aumentando a sua fatia no crédito total do país.
“O cenário econômico parou de piorar. O país não vive mais uma recessão, e as famílias aos poucos voltam a tomar crédito”, afirma o economista da consultoria 4E Bruno Lavieri.
O quadro mais benigno do crédito para pessoa física está longe de indicar uma retomada vigorosa da economia brasileira, mas mostra que esse movimento tem compensado a fraca reação do mercado de trabalho – o Brasil tem 12,5 milhões de desempregados.
No varejo, os setores mais ligados ao crédito têm mostrado um desempenho melhor do que aqueles dependentes da renda. As vendas de super e hipermercados, por exemplo, cresceram 1,2% no acumulado em 12 meses até setembro deste ano, enquanto as de veículos avançaram 11,2%, e as de material de construção tiveram alta de 3,5%.
Com o avanço do crédito, a expectativa é que o consumo das famílias contribua positivamente para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo dos próximos anos.
Em 2019, a consultoria 4E estima que o consumo das famílias vai crescer 1,3%, enquanto o PIB deve avançar 0,9%. Para 2020, a expectativa é de um avanço de 3,4% e 2,7%, respectivamente.
No médio prazo, uma retomada mais consistente do consumo, dizem os analisas, passa pela melhora do mercado de trabalho e da renda do trabalhador. “É sempre melhor o crédito estar associado ao emprego”, afirma a analista de varejo e crédito da consultoria Tendências, Isabela Tavares.
A Tendências projeta um crescimento de 0,9% para o PIB neste ano e de 1,8% para o consumo das famílias. Para o ano que vem, as projeções são de 1,8% e 2,1%, respectivamente.
Juros podem ajudar; spread é desafio
O mercado de crédito no Brasil também pode ser impulsionado pela queda da taxa básica de juros (Selic). Atualmente, ela está em 5% ao ano, e a expectativa dos analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, é que encerre 2019 em 4,5%.
Juros mais baixos tendem a reduzir o custo do crédito. No entanto, isso ainda não aconteceu de forma generalizada na economia brasileira. De agosto para setembro, o spread nas operações para pessoas físicas recuou de 45,5 pontos para 45 pontos. Apesar da queda no mês passado, o spread ainda está acima do observado no fim do ano passado – em dezembro, marcava 40,7 pontos.
O spread é a diferença entre o que os bancos pagam para captar recursos e o quanto cobram para emprestar para seus clientes.
“Os juros básicos estão nas mínimas históricas, mas os finais, não”, diz Flávio Calife, economista da Boa Vista.
O presidente Banco Central, Roberto Campos Neto, chegou a reconhecer a dificuldade de repassar a queda dos juros. Em evento em São Paulo, na sexta-feira (8), ele disse que os juros na ponta não caíram “como desejado” para 90% da massa de crédito.
Com a expectativa de queda da Selic, os especialistas avaliam que o spread tende a recuar ao longo dos próximos meses. Uma queda mais acentuada, no entanto, também só deve ocorrer com a redução da inadimplência, que depende diretamente da melhora da renda e do emprego.
“Mesmo que o desemprego esteja caindo um pouco, ele continua num patamar muito elevado. E a queda se dá muito pelo trabalho informal, que gera risco de alta inadimplência porque o trabalhador não tem como comprovar renda, nem dar garantias”, diz Marcela Kawauti, economista do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
Fonte: G1