Endividamento cresce com pandemia

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Dívidas de empresas e famílias estão em nível recorde; governo também tem nível elevado, apesar de recuo recente

A pandemia deixou famílias, empresas e governo mais endividados. O nível de endividamento de consumidores e companhias estão em níveis recordes, enquanto o do governo está pior do que no período pré-pandemia, embora tenha melhorado nos últimos meses. O quadro é mais um dos fatores que inibem uma recuperação mais robusta da economia, para além das incertezas ainda existentes, afirmam economistas. O alerta é que esses passivos devem continuar em patamar elevado, pelo menos a médio prazo.

Em maio, 68% das famílias estavam endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o maior nível da série histórica, iniciada em 2010. O indicador do Banco Central – que aponta o percentual do endividamento das famílias com os bancos em relação à renda acumulada nos 12 meses anteriores – também é recorde: 57,7% (se considerado o financiamento imobiliário) e 35,5% (excluindo esse efeito). Os dados mais recentes do BC são de fevereiro.

Situação recorde também é observada entre as companhias: o endividamento bruto delas atingiu 61,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em março, segundo levantamento feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), também o maior percentual do indicador, disponível desde 2011. Já a situação do governo piorou na pandemia, embora tenha mostrado melhora nos últimos meses. A relação entre a dívida bruta do governo em relação ao PIB, que chegou a 89,95% em fevereiro, recuou para 86,66% em abril, de acordo com dados do BC.

“A única certeza que temos é que todos saem mais endividados desta crise: famílias, empresas e governo”, afirma o economista da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) Bráulio Borges.

Ele lembra que vários estudos acadêmicos indicam que o aumento do endividamento tende a provocar um crescimento menos intenso da atividade econômica mais à frente. Há um temor, diz ele, de se repetir um fenômeno que ficou conhecido na esteira da crise financeira internacional de 2008 como “debt overhang”, em que o ritmo de recuperação foi afetado pelo elevado endividamento de empresas, famílias e governos.

“O nível de comprometimento da renda das famílias já está elevado e o aumento do custo de energia elétrica aperta ainda mais o orçamento. Ao mesmo tempo, as empresas estão com mais dívida e com perspectiva de gerar menos caixa. Não é o fim do mundo, mas é uma situação delicada”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. “As condições de liquidez de empresas e famílias estão piores, o que joga contra decisões de consumir, produzir e investir.”

Esse impacto já foi observado no resultado do PIB no primeiro trimestre, quando houve avanço de 1,2% da atividade econômica como um todo, mas recuo de 0,1% do consumo das famílias. A situação atual dos consumidores, acredita Gonçalves, é pior que a das empresas, que tendem a ter mais margem de manobra para renegociar com seus credores. “O custo de energia elétrica também vai pesar mais e uma dívida pode virar uma bola de neve, ainda mais agora com alta de juros”, argumenta.

No caso das famílias, Borges pondera, no entanto, que a crise provocada pela pandemia teve uma característica diferente, que foi o acúmulo de ativos por parte daquelas de renda mais elevada, devido à restrição para consumo de serviços como viagens e idas a restaurantes.

“É preciso relativizar um pouco, já que agora tivemos um fenômeno inédito, com um acúmulo de ativos maior que o endividamento, em termos líquidos. Só que quem mais poupou foram as famílias de renda mais alta, com menor propensão ao consumo”, aponta o economista da LCA.

Economista sênior da CNC, Fabio Bentes também se mostra preocupado com a evolução do endividamento das famílias, ligada ao aumento da inflação, pressionada especialmente por preços administrados, pela piora do mercado de trabalho e pela elevação dos juros. “De fato, a decisão de consumir fica mais difícil.”

Sobre o endividamento do governo, Gonçalves pondera que, apesar do nível elevado, houve melhora do endividamento nos últimos meses, com o efeito da inflação na arrecadação e a alta do PIB nominal. “Voltamos a ficar mais longe da luz vermelha. […] Minha preocupação com a dívida pública caiu vertiginosamente”, diz.

Sócio-fundador ARM Gestão, Marcus Vasconcellos afirma que, após mais de um ano de pandemia e de “uma grande moratória”, é hora de ampla renegociação entre as empresas sobreviventes da crise e seus credores para garantir a continuidade dos negócios.

O economista aponta que as postergações e alongamentos de prazos estão vencendo e há um “ambiente profícuo”, tanto para devedores quanto para credores. Ele diz que o endividamento das empresas não é um obstáculo intransponível para o crescimento da economia, embora funcione como um limitador. “Sem dúvida, se as empresas estivessem mais capitalizadas, o crescimento seria mais vigoroso. Portanto ele é um limitador, um freio, mas não um obstáculo intransponível”, aponta.

Fonte: Valor Ecomômico

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