Endividamento das famílias põe atividade de 2022 em risco

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População recorre a crédito de curto prazo para compensar perda de renda

Depois da decepção com a inesperada queda nas vendas do varejo em outubro, divulgada na semana passada, analistas alertaram com mais ênfase para o estrago que o alto nível de endividamento e comprometimento de renda ainda deve causar no consumo, em meio a uma piora significativa das condições financeiras das famílias. Junto com a forte elevação dos juros iniciada neste ano, esta deve ser mais uma trava para o crescimento da atividade em 2022.

De acordo com dados do Banco Central e da Tendências Consultoria, endividamento e comprometimento continuam a bater recordes. Agora, há um agravante, o crescimento de um crédito extremamente caro e de curto prazo, composto pelo cartão de crédito rotativo e parcelado e do cheque especial, na contramão da desaceleração do crédito livre à pessoa física. São modalidades usadas para complementar renda do consumo no dia a dia.

“Além dos níveis elevados do endividamento e do comprometimento, o que merece atenção para 2022 é o crescimento do crédito emergencial, que tem juros acima de 100% ao ano”, afirma Isabela Tavares, economista da Tendências.

Depois de desacelerar em 2020 com a concessão do auxílio emergencial e renegociação de dívidas, a demanda por essas linhas de crédito voltou a aumentar. “Nos últimos três ou quatro meses elas estão crescendo, na margem, em termos reais e dessazonalizados”, afirma Tavares. Os volumes ainda são baixos, mas merecem atenção diante do cenário de mercado de trabalho ruim, aumento dos juros e endividamento, reforça.

Segundo a economista, em termos reais e dessazonalizados, o crescimento médio do crédito rotativo e parcelado foi de 4,9% ao mês de julho a outubro, contra alta de 2,2% de janeiro a junho deste ano. No mesmo período em 2020 (julho a outubro) houve queda média de 1,7%.

Outro dado que aponta maior uso do cartão é a pesquisa mensal da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Em novembro, a proporção de famílias endividadas no cartão de crédito, 85,2%, teve um aumento de 7,4 pontos percentuais, a maior alta da série do levantamento.

Há vários elementos que ajudam a explicar o aumento do endividamento das famílias desde o ano passado, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Um deles foi o juro baixo, que incentivou aquisições de imóveis e bens duráveis. Mas agora esse nível alto de dívidas se junta ao momento difícil da economia. “Com renda curta, a população começa a usar cartão de crédito, entra no cheque especial. Acessa um crédito que talvez não usaria numa situação melhor”, diz. “Cartão de crédito sendo usado com intensidade no momento fraco da economia é um sinal de alerta, ainda mais com um cenário preocupante para 2022”, afirma.

Os dados mais recentes do BC, de agosto, mostram que o endividamento chegou a 60%, alta de 8,8 pontos percentuais em um ano. O indicador mede a relação entre o saldo das dívidas das famílias e a renda acumulada em 12 meses. O comprometimento de renda alcançou 30%, alta de 0,8 ponto percentual.

No cálculo da Tendências, no mesmo período, os percentuais eram de 51,1% e 23,1%, respectivamente. Em setembro esses números tinham avançado para 52,5% e 25,2%, altas de 7,4 pontos e 3 pontos sobre o ano passado. A diferença entre os números do BC e os da consultoria é que a Tendências inclui o saldo do cartão de crédito sem juros na conta e considera a massa de renda habitual (valor sem acréscimos extraordinários ou descontos ocasionais). O BC usa a massa de renda efetiva (valor de fato recebido pelos trabalhadores em determinado período). Seja como for, ambos os cálculos mostram níveis recordes.

O processo de aperto monetário deve piorar ainda mais as condições financeiras das famílias de um lado, e de outro deve contribuir para um recuo no indicador de endividamento ao limitar o crédito, diz Tavares. Mas o nível deve continuar alto. O mesmo deve ocorrer com o comprometimento. As concessões de crédito livre para pessoa física devem sair de alta de 12% para 2,4% de 2021 a 2022, segundo estimativas da consultoria.

Outro item da equação da piora do orçamento familiar é a queda da renda do trabalho, que neste ano deve chegar a 6,5% e, em 2022, a 2%, em termos reais, segundo estimativa da Tendências, que leva em conta a renda média habitual. Vale, da MB, vê recuo parecido na renda do trabalho, de 2,1%, em 2022.

Assim, as condições estão dadas para uma atividade fraca no futuro próximo. O consumo das famílias, que puxa o PIB pelo lado da demanda, deve crescer apenas 0,5%, segundo Sergio Vale. “A economia vai crescer zero, a inflação vai ceder, mas ainda vai estar alta e ainda os juros vão encarecer o crédito. Para a população mais pobre a situação pode ficar mais complicada”, diz o economista. O programa Auxílio Brasil, que deve pagar R$ 400 mensais a 17 milhões de famílias vai apenas impedir um quadro mais grave em sua avaliação.

“O Auxilio Brasil vai ser usado para consumo básico e pagar dívidas”, diz. E junto com a safra de grãos, que deve ser recorde, deve ajudar a economia a não entrar em recessão. “Evita uma recessão, mas a economia deve permanecer estagnada com as condições de juros, inflação, emprego informal, risco político e fiscal. Um cenário que não favorece o consumo e uma retomada vigorosa de crescimento.”

Fernando Sampaio, da LCA Consultores, observou durante evento para traçar cenários para o próximo ano, que a desaceleração da inflação, de quase 11% em 2021 para algo em torno de 5%, deve beneficiar a demanda de bens essenciais, como alimentos. Mas as categorias que dependem de crédito, como os bens duráveis e material de construção, não devem ir bem. “O endividamento e o aumento dos juros vão desacelerar esses setores”, afirmou.

Nesse cenário, a inadimplência, que se manteve comportada até agora, pode crescer. Mas não se espera uma alta mais pronunciada como houve em 2015/ 2016. “Esse comportamento é a grande surpresa do mercado de crédito. Os prazos ainda estão bem elevados, o que ajuda a adiar um aumento. Mas há um cenário prospectivo de maior risco para a inadimplência”, afirma Isabela Tavares, da Tendências. Para Vale, da MB, a fragilidade econômica, que promete ser longa, pode ter efeito nesse indicador. “Em 2022, na média, ela deve ser maior.”

Fonte: Valor Econômico

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