Inadimplência recorde no rotativo do cartão de crédito acende alerta nos bancos brasileiros

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Instituições financeiras tradicionais, como Santander e Bradesco, e fintechs como Nubank estão pisando no freio de concessão de crédito com maior risco

Os brasileiros estão atrasando os pagamentos de seus empréstimos em números recordes — com inadimplência de 44% nas linhas rotativas de cartão de crédito. Isso leva os maiores bancos do país a cortar crédito aos mais pobres e coloca em xeque as promessas das fintechs de servir aos desbancarizados.

“O cenário de curto prazo é bem ruim”, disse Rafael Furlan, sócio-fundador da Norte Asset Management em São Paulo, em entrevista. “Não apenas a qualidade dos ativos deve continuar piorando, mas os bancos estão pisando no freio e devem ter uma expansão de crédito mais lenta”, disse Furlan, que mantém sua exposição aos bancos locais abaixo dos índices de referência.

Essa estratégia já está valendo a pena: o Bradesco e o Santander Brasil perderam cerca de 40% de valor de junho de 2021 até sexta-feira, com os empréstimos inadimplentes nos dois megabancos disparando.

O Nubank, fintech que tem Warren Buffett entre seus sócios, e o Itaú, maior banco da América Latina em valor de mercado, também registraram taxas de inadimplência mais altas no crédito para pessoas físicas.

As ações do Nubank caíram 24% nos últimos três meses e as dos Itaú, 14%.

O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva promete um plano de socorro, em reconhecimento de que o pior está por vir. Os brasileiros de baixa renda acumulam dívidas em meio à inflação alta e juros elevados.

Muitos não conseguem pagar o aluguel ou as contas de energia e buscam linhas de crédito emergenciais, justamente as que carregam os juros mais altos, de até 400% ao ano. Os juros são capitalizados, e as dívidas crescem como bola de neve.

As linhas rotativas de cartão de crédito — usadas quando o pagamento mínimo exigido não é feito — mais do que dobraram nos 12 meses até novembro, para R$ 83 bilhões, segundo o Banco Central. Cerca de 44% apresentam pagamentos atrasados por mais de 90 dias, um recorde e 10,9 pontos percentuais a mais do que em novembro de 2021. Essas linhas de emergência cobram taxas de juros anuais de 400%.

“Uma parte importante do que a gente está vendo de inadimplência tem a ver com a sobreoferta de crédito”, disse o presidente-executivo do Itaú, Milton Maluhy, em teleconferência em novembro. “O cliente se alavancou, é um cliente com menor educação financeira, muitas vezes com menor capacidade de tomar uma decisão de até onde ele consegue ir com seu endividamento.”

O crédito pessoal, sem garantia, atingiu o recorde de R$ 248,3 bilhões em novembro, alta de 21% em 12 meses. Para tirar os clientes das linhas rotativas do cartão de crédito e dar a eles mais tempo para pagar, os credores estão persuadindo esses indivíduos a rolar sua dívida, tomando empréstimos pessoais, promovendo algo que, segundo Maluhy, “não deixa de ser uma renegociação forçada da dívida”.

Esses empréstimos cobram taxas de juros de até 86,4% ao ano. As taxas de inadimplência estavam em 7,69% em novembro, 2,94 pontos percentuais a mais do que no ano anterior.

O presidente do Nubank, David Vélez, disse que sua fintech está “indo um pouco mais devagar em empréstimos pessoais”, já que o ciclo econômico “está levando a um aumento da inadimplência, com altas taxas de juros e inflação”.

A ideia é continuar a conceder crédito a indivíduos, mas centrar-se naqueles que têm algum tipo de garantia, disse.

A concorrência entre bancos digitais, fintechs e varejistas tornou mais fácil para consumidores antes não bancarizados terem acesso a até seis cartões de crédito, disse Octavio de Lazari, presidente do Bradesco, em entrevista no escritório da Bloomberg em Nova York em novembro. “Qualquer pessoa com uma carteira de crédito enfrenta mais riscos hoje em dia.”

Antes da pandemia, o Bradesco aprovava cerca de 68% das solicitações de crédito dos clientes, e agora essas taxas de aprovação caíram para 46%. O Itaú reduziu em 90% os novos empréstimos para pessoas físicas cujo único relacionamento com o banco é por meio do cartão de crédito.

As carteiras de crédito pessoal renegociadas dos bancos também preocupam: esse total cresceu 35% em 12 meses, para R$ 83 bilhões em novembro, com 14,4% de atrasos iguais ou superiores a 90 dias.

As perspectivas de crescimento econômico mais lento em 2023 e taxas de juros mais altas por mais tempo do que o esperado tornam o ambiente de crédito para pessoa física ainda mais hostil. A instabilidade política promovida por aqueles que não aceitam a derrota na eleições presidenciais traz ainda mais incertezas.

Roberto Campos, presidente do Banco Central do Brasil, disse que o aumento na inadimplência faz parte do ciclo de taxas de juros mais altas.

“Estamos vendo que alguns dos produtos de crédito que são usados como crédito emergencial começaram a ter uma demanda maior, e acenderam um sinal de alerta”, disse ele em uma conferência em Nova York em novembro. “Mas quando fazemos testes de estresse nos bancos, vemos que o sistema bancário é muito saudável, não vemos nenhum risco significativo vindo disso.”

O novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à TV 247 que a inadimplência é um “grave problema”.

“As pessoas estão endividadas e precisam de uma rota de saída”, disse, acrescentando que sua equipe e as presidentes dos bancos estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal foram incumbidas de desenhar um programa voltado para pessoas endividadas. “Devemos, se possível, contar com os bancos privados nesse empreendimento”, disse.

Os bancos brasileiros estão bem provisionados e ainda registram lucros, segundo alguns analistas, e grandes bancos e grandes fintechs como o Nubank também podem aproveitar a oportunidade para expandir para outros produtos que não sejam de crédito, pois retêm os depósitos dos clientes e podem aumentar os rendimentos do seu caixa com taxas de juros mais altas.

“Há mais espaço para surpresas negativas” quando se trata da qualidade do crédito, disse Fernando Fontoura, gestor de portfólio da Persevera Asset Management, com sede em São Paulo, que está vendido em uma cesta de ações de bancos brasileiros. “Alguns nomes podem acabar mais protegidos devido à menor exposição a empresas menores e indivíduos de baixa renda, mas os efeitos serão sentidos por todos.”

Fonte: O Globo

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