Muitas se deparam com demissão e dificuldade em voltar para o mercado. Empregadores focam nas perdas que terão com as futuras mães
A maternidade permanece polêmica para
empregadas e empregadores. Quando uma trabalhadora engravida, o foco das
empresas continua sendo nas “perdas” que terá nos próximos anos. O tempo passa,
mas os empecilhos são os mesmos: receio de a mãe faltar ao trabalho, caso o
filho passe mal; de ela pedir para chegar mais tarde para ir a uma reunião
escolar; ou de se atrasar, devido à exaustão da rotina. Os benefícios da
maternidade para as empresas e até para a economia do país, mesmo comprovados
por diversos estudos, ainda são ignorados.
Na contramão do
senso comum, especialistas apontam que as mães são mais produtivas e flexíveis,
porque as atividades neurais, ligadas à criatividade, aumentam durante a
gestação. Além disso, o hábito de acumular duplas jornadas as deixam com maior
capacidade de otimizar o tempo — tornam a vida das mulheres mais fácil no
mercado de trabalho. Ainda assim, persiste o pensamento de que o empregador não
suportará o tempo de afastamento, sem preencher aquela necessária vaga. Fora
isso, há o temor de que o período em que fica com a criança a deixará
desatualizada em relação à tecnologia, que avança rápido.
Esse pensamento leva, quase sempre, a uma realidade cruel. Estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que metade das mães que trabalham são demitidas até dois anos depois que acaba a licença, devido à mentalidade de que os cuidados com os filhos são praticamente uma exclusividade delas. Grasiela Maria de Araújo, 36 anos, foi demitida logo depois de ter o terceiro filho, em 2013. “Tirei a licença e mais um mês de férias. Ao voltar, fui desligada”, conta.
Mas não esmoreceu. Fez bicos enquanto esperava emprego de carteira assinada, que só veio dois anos depois. Grasiela entrou para o mercado de trabalho aos 18 anos, como atendente em uma lanchonete. Hoje, tem um filho de 18 anos e outros dois, de 15 e seis, de uma união estável que já dura 17 anos. “A gente ouve o tempo todo que mãe não trabalha, faz corpo mole. É difícil. Já perdi emprego porque de cara disseram que eu não estaria disponível para viajar”, assinala.
Pesquisa dos profissionais da Catho de 2018, com mais de 2,3 mil mães, afirma que 30% das mulheres deixam o trabalho para cuidar dos filhos. Entre os homens, esse número é quatro vezes menor: 7%. Claudia Santos, 38, preferiu pedir as contas antes de ser demitida. Nascida em Belém, ela começou a trabalhar aos 14 anos, vendendo salgados nas ruas, e, aos 17, foi contratada por um restaurante. Engravidou em seguida e não aguentou o calor do fogão. “Deixei o emprego antes de ser demitida. Ouvia o chefe dizendo que mulher grávida é problema porque falta ao serviço e aumenta o custo por causa do salário-família”, lembra. Ela só conseguiu voltar a trabalhar fora depois de dois anos.
De volta à ativa
Dani Junco, fundadora e diretora executiva (CEO) da B2Mamy, aponta que, a cada 10 mulheres, quatro não conseguem retornar ao mercado após a licença-maternidade, de acordo com a consultoria Robert Half. “Percebo que é uma questão cultural. Em minha experiência, senti que as pessoas achavam estranho quando eu deixava meus filhos na escola o dia inteiro”, relata Claudia Consalter, mãe de gêmeos e fundadora da Orthodontic, rede de clínicas de ortodontia.
A tributarista Rhuana Rodrigues, 38, sócia do Chenut, Oliveira, Santiago
Advogados, acredita que o peso maior da responsabilidade com os filhos sempre
recai sobre a mãe. “Mas costumo dizer que meu marido me ajuda, ele compartilha
o cuidado com as crianças, que também cabe a ele”, argumenta. Casada desde 2006,
ela teve o primeiro filho, de quatro anos, aos 33 anos. O segundo é recente:
está com apenas três meses.
“Especialmente comigo, não houve discriminação, porque sou dona do meu negócio
e diretora de Recursos Humanos do escritório. Mas ouço histórias terríveis”,
conta.
Durante o tempo da licença-maternidade, Rhuana aproveitou que o “bebê dormia o
dia inteiro”, para concluir a monografia de pós-graduação em direito digital.
Efeitos positivos
Desconsiderar os efeitos positivos da
maternidade no mercado de trabalho é um erro não apenas do ponto de vista da
vida das mulheres, mas das finanças do país. É o que aponta a empresária Dani
Junco, fundadora e diretora executiva (CEO) da B2Mamy, empresa dedicada a
selecionar mães empreendedoras para negócios. Ela propõe uma simulação, que
chama de “distopia Handmaid’s Tale”: “Acabamos de acordar com o mundo
completamente estéril, assim como você já deve ter desejado ao saber que a moça
da sua equipe está grávida. E agora?”, questiona.
Os resultados
seriam desastrosos. Primeiro, diz, o faturamento de R$ 50 bilhões que
representa o segmento infantil, de acordo com a Consultoria Nielsen, deixaria
de ser injetado na economia. “Não estão somados aqui turismo, entretenimento e
outras áreas correlatas que atendem a esses 20% da população”. Em segundo
lugar, com a população envelhecendo, não teria mão de obra para manter alguns
serviços. “Sem falar das novas cabeças que não nasceriam. Portanto, pesquisa,
inovação e desenvolvimento seriam escassos”, diz.
A influência das
mulheres no mercado de trabalho é evidente. Entre 2005 e 2015, o número de
famílias compostas por mães solo subiu de 10,5 milhões para 11,6 milhões,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número de
lares brasileiros chefiados por mulheres cresceu de 23% para 40% entre 1995 e
2015, de acordo com a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, de
2017, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A lei e a vida real
Assegurada por lei desde 1943, a
licença-maternidade atendeu mais de 53 mil brasileiras em 2018, pelos dados da
Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
“Atualmente, o empregador é obrigado a conceder 120 dias, mas é possível
estender até 180 para os que aderirem ao programa Empresa Cidadã, que gera
benefícios fiscais para os contratantes”, conta o advogado João Badari,
especialista em direito previdenciário do escritório Aith, Badari e Luchin
Advogados.
Mesmo com o direito garantido no papel, a lei, às vezes, é ignorada. Raramente
as mães contam com a ajuda de que precisam depois da gravidez. Mesmo assim,
muitas narram histórias de sucesso. Maire Laide Albernaz Neiva, 62, administra
um restaurante com 20 funcionários, depois de criar três filhas (43, 41 e 38
anos). “Comecei cedo, aos 14 anos, em uma agência de automóveis. Aos 15, fui
transferida para a área de cobrança. Cheguei a chefe do setor financeiro, aos
25”, relata.
As três filhas foram criadas, praticamente, dentro da concessionária. Os
patrões montaram berço e a infraestrutura para as crianças. “Mas nunca tirei
licença-maternidade. Voltava a trabalhar 15 dias após ter neném. Precisava do
dinheiro e tinha a opção de ganhar dobrado”, afirma. Depois que os filhos
cresceram, Maire entrou para a Faculdade de Moda e conseguiu o diploma, aos 50
anos. Uma vitória para quem tem uma mãe de 85 anos “que não sabe ler nem
escrever”. “Hoje, minhas filhas têm vidas próprias. Mas ainda cuido de minha
mãe e de uma sobrinha especial, de 45 anos”, destaca.
Não deixar de ter ambições próprias é uma das dicas que Luzia Costa, CEO do Grupo Cetro, dá para quem é mãe e quer iniciar a vida de empreendedora. Mãe de dois filhos, ela ressalta a importância de enfrentar julgamentos e aceitar ajuda.“Sem dúvidas, muitas pessoas irão lhe criticar por dedicar um tempo do seu dia para trabalho e vida profissional, deixando filhos com avós, babás, em escolinhas, entre outros. Mas precisamos realizar nossos sonhos, até mesmo para dar condições melhores para nossos filhos”, ensina.
Fonte: Correio Brasiliense